Reflexão sobre Pessach- texto de Bernardo Sorj

Pessach
Bernardo Sorj
abril de 2011

Cada ano festejamos Pessach porque a liberdade, para os indivíduos e para a sociedade, é sempre uma travessia, nunca um ponto de chegada, e ela só é possível porque se alimenta do  exemplo e das lutas das gerações passadas.  
Pessach é um momento de reflexão sobre o que nos faz escravos, permitindo que a opressão  se instale   no nosso interior  e nas  nossas  relações. Por isto festejar a liberdade exige refletir sobre a servidão,  sobre o  Faraó que cada um leva dentro de si. 
·         O Farão que só  percebe  a si mesmo.
·         O  Faraó que  deseja que os outros o obedeçam.
·         O Faraó que não aceita que cada pessoa é diferente.
·         O Farão que julga antes de  compreender.
·         O Farão que divide tudo em certo e errado.
·         O Faraó que fala para não ouvir.  
·         O Faraó que teme ideias diferentes as suas.
·         O  Faraó  que ri dos outros sem ser capaz de rir de si mesmo.
·         O Faraó que confunde solidez  com rigidez.
Pessach nos lembra de que o poder material, econômico ou político, não deve ser confundido com o poder de ser internamente livre. Porque a liberdade não se compra nem se impõe, só pode ser construída por cada um e na convivência, inspirando-se em  exemplos, mas  seguindo caminhos que são sempre singulares. Por isso:  
·         Só a liberdade nos leva a valorizar perguntas que questionam nossas certezas e a duvidar de  respostas que confirmam nossas crenças. 
·      Só a liberdade nos permite amar nossos seres queridos sem querer transforma-los em espelhos de nós mesmos. 
·         Só a liberdade nos permite levar a vida a sério, sem nunca  deixar de brincar. 
·         Só a liberdade nos permite aprender coisas diferentes que questionam nossas crenças.
·         Só a liberdade nos permite entender nossas mudanças e das pessoas que nos circundam.  
·        Só a liberdade nos ensina que a vida nunca se reduz ou pode ser contida em leis e conceitos aparentemente rigorosos. 
·         Só a liberdade nos dá o sentido da ironia e do humor.
·      Só a liberdade nos permite entender que toda fronteira usada para classificar os outros é precária e que nunca deve ser transformada numa forma de desclassificar.
·      Só a liberdade permite que a tradição seja uma fonte de sabedoria e não uma camisa de força.
 A afirmação da liberdade é um caminho  que exige rompimentos e distanciamentos de um mundo conhecido e aparentemente seguro.  Mas nada pode eliminar a angustia nem as incertezas.  Ou nos refugiamos na repetição mecânica e em crenças cegas que sufocam a curiosidade, fogem do desconhecido e temem o que está fora de nosso controle, ou as transformamos numa  energia que nos impele a descobrimentos e que nos  faz  crescer,  transformando a vida num processo de  aprendizagem  permanente.
Só podemos lutar contra a servidão se enfrentamos o opressor  e  o oprimido  que  cada um de nos carrega. Porque a escravidão individual é produzida por traumas que nos deixam inseguros e por medos que nos paralisam e nos transformam em  pessoas rígidas e  oprimidas.
·         Um oprimido que se esconde dele mesmo procurando ser igual ao resto.
·         Um oprimido que transforma, por insegurança, o amor em possessão.
·         Um oprimido que odeia o que não controla e o que  não  se  ajusta a sua vontade.
·         Um  oprimido que   foge da mudança, no lugar de se enriquecer com ela.
·         Um oprimido que teme o futuro e a passagem do tempo no lugar de vivê-lo intensamente. 
·         Um oprimido que inferioriza os outros para se sentir superior.
·      Um oprimido que se refugia em grupos e comunidades em torno das quais cria muralhas que desumanizam os que se encontram fora.
A liberdade pessoal só pode ser plenamente realizada em comunidades que permitem a livre  expressão de cada indivíduo. Devemos, portanto,   lutar contra toda forma de opressão política e social. Porque o autoritarismo se alimenta do ódio, estigmatiza quem discorda, transforma o opositor em inimigo e os indivíduos em membros de manadas. Lembrando sempre que não há comunidade onde  não existe justiça social, pois  a pobreza e a miséria geram  excluídos.  
Porque aspiramos a ser livres,  mas nunca nos desprenderemos totalmente dos desejos de opressão, lembramos as grandezas, nem por isso destituídas por vezes de fraquezas,   de  nossos antepassados.   A todos eles, e a todas as pessoas justas de todos os povos e culturas, que fizeram possível que hoje possamos  brindar   á vida e a liberdade:

 Shehechyanu, ve´quimanau ve’higuyanu lazman haze
Que vivemos, que existimos,  que chegamos,  a este momento.   

Comentários